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Ciência, TCC e ChatGPT: Intersecções Metodológicas

Prof. Me. Ivan Prizon15 min de leitura

Ciência, TCC e ChatGPT: Intersecções Metodológicas

por Prof. Me. Ivan Prizon

A integração de ferramentas de inteligência artificial no processo científico representa uma transformação significativa na metodologia de pesquisa contemporânea. O ChatGPT, modelo de linguagem desenvolvido pela OpenAI, emerge como instrumento com potencial para modificar as etapas de concepção, desenvolvimento e finalização de trabalhos científicos, incluindo Trabalhos de Conclusão de Curso (TCCs).

"A ciência não é apenas compatível com a espiritualidade; é uma fonte profunda de espiritualidade. Quando reconhecemos nosso lugar na imensidão do espaço-tempo, quando captamos a complexidade, beleza e sutileza da vida, então esse sentimento de elevação, esse sentimento de humildade misturado com júbilo, esse é certamente espiritual." (SAGAN, 1996, p. 43)

Esta reflexão de Carl Sagan sobre a natureza da ciência ressoa com a atual revolução tecnológica. A IA não substitui o pensamento científico, mas oferece novas perspectivas para sua expressão e desenvolvimento. Este artigo examina as intersecções entre o método científico tradicional e as possibilidades oferecidas pelo ChatGPT na elaboração de trabalhos acadêmicos, com foco específico nos TCCs.

Fundamentos Metodológicos e IA

O método científico, conforme definido por Popper (2004), baseia-se na formulação de hipóteses falsificáveis e na verificação empírica. A introdução do ChatGPT neste processo não altera estes fundamentos, mas modifica os mecanismos de operacionalização das etapas metodológicas.

Segundo Volpato (2017, p. 78), "a ciência é um modo de pensar e agir que busca entender o mundo por meio de hipóteses testáveis e evidências verificáveis". Esta definição permanece válida no contexto da IA, mas a forma como as hipóteses são geradas e as evidências organizadas pode ser potencializada por ferramentas como o ChatGPT.

De acordo com pesquisa realizada por Santos et al. (2023), 67% dos pesquisadores que utilizaram IA em seus processos metodológicos relataram aumento na eficiência da revisão bibliográfica, enquanto 42% identificaram melhorias na formulação de hipóteses mais precisas.

O ChatGPT no Ciclo de Pesquisa Científica

A aplicação do ChatGPT no ciclo de pesquisa científica pode ser analisada em três dimensões principais: (1) fase preparatória, (2) fase de desenvolvimento e (3) fase de comunicação dos resultados.

Fase Preparatória

Na etapa inicial da pesquisa, o ChatGPT pode auxiliar na:

  • Delimitação do problema de pesquisa
  • Identificação de lacunas na literatura existente
  • Formulação de questões norteadoras
  • Estruturação do projeto de pesquisa

Conforme observa Meadows (2021, p. 112), "a definição precisa do problema de pesquisa constitui 50% do caminho para sua solução". O ChatGPT pode contribuir para esta precisão ao processar grandes volumes de informação e identificar padrões relevantes para a delimitação do objeto de estudo.

Prompt Exemplo:
Analise o seguinte tema de pesquisa: "Impactos da telemedicina na saúde pública brasileira pós-pandemia". Identifique: 1) Possíveis lacunas de pesquisa, 2) Questões norteadoras potenciais, 3) Abordagens metodológicas adequadas, 4) Principais autores e teorias relacionadas.

Fase de Desenvolvimento

Durante o desenvolvimento da pesquisa, o ChatGPT pode ser utilizado para:

  • Sistematização de dados bibliográficos
  • Análise preliminar de dados qualitativos
  • Geração de insights para interpretação de resultados
  • Verificação de consistência lógica na argumentação

Kuhn (2018) argumenta que a ciência avança não apenas pela acumulação de fatos, mas pela reinterpretação de dados existentes sob novos paradigmas. O ChatGPT pode facilitar este processo ao oferecer perspectivas alternativas para a interpretação de resultados.

Fase de Comunicação

Na etapa final, o ChatGPT pode contribuir para:

  • Estruturação lógica do texto científico
  • Adequação às normas técnicas (ABNT, APA, Vancouver)
  • Revisão de clareza e coesão textual
  • Preparação de materiais para apresentação oral

A comunicação científica eficaz, conforme destaca Eco (2016, p. 175), "não se limita à apresentação de dados, mas à construção de uma narrativa coerente que permita a compreensão do fenômeno estudado". O ChatGPT pode auxiliar nesta construção narrativa, respeitando as convenções do discurso científico.

Aplicações Específicas no TCC

O Trabalho de Conclusão de Curso representa um momento crucial na formação acadêmica, exigindo a aplicação prática dos conhecimentos metodológicos adquiridos. Severino (2017) define o TCC como "uma monografia científica, resultado de pesquisa, na qual se espera que o estudante demonstre capacidade de problematização, fundamentação teórica e análise crítica".

Neste contexto, o ChatGPT pode ser aplicado em aspectos específicos:

Revisão de Literatura

A revisão bibliográfica constitui etapa fundamental do TCC. O ChatGPT pode auxiliar na organização e síntese de fontes, identificação de contradições na literatura e estabelecimento de conexões entre diferentes autores.

Prompt Exemplo:
Preciso fazer uma revisão de literatura sobre "Economia Comportamental aplicada a Políticas Públicas". Organize as principais teorias, autores seminais, debates contemporâneos e tendências metodológicas neste campo. Para cada item, indique referências bibliográficas específicas seguindo normas ABNT.

Estruturação Metodológica

A definição da metodologia adequada frequentemente representa um desafio para estudantes. O ChatGPT pode apresentar opções metodológicas compatíveis com o objeto de estudo, explicando vantagens e limitações de cada abordagem.

Pesquisa conduzida por Oliveira e Campos (2024) com 320 orientadores de TCC em universidades brasileiras revelou que 73% consideram a seção metodológica como a mais problemática nos trabalhos de seus orientandos. O uso assistido de IA pode mitigar estas dificuldades.

Análise e Discussão de Resultados

A interpretação de dados e sua articulação com o referencial teórico constitui momento crítico do TCC. O ChatGPT pode sugerir perspectivas analíticas, identificar padrões em dados qualitativos e auxiliar na triangulação de informações.

"A análise de dados não é um processo mecânico, mas um exercício de imaginação científica disciplinada pelos dados. O pesquisador deve estar aberto a perceber padrões inesperados e questionar suas próprias premissas." (MINAYO, 2014, p. 27)

Questões Éticas e Limitações

A utilização do ChatGPT no contexto científico e acadêmico suscita questões éticas que devem ser consideradas. Conforme aponta o Comitê de Ética em Pesquisa da ANPOCS (2023), "o uso de ferramentas de IA na pesquisa científica deve ser transparente, responsável e subordinado ao julgamento crítico do pesquisador".

Entre as principais questões éticas, destacam-se:

  • Autoria e originalidade: A contribuição do ChatGPT deve ser reconhecida, sem comprometer a autoria intelectual do pesquisador
  • Verificabilidade: Informações geradas pela IA devem ser verificadas com fontes primárias
  • Vieses algorítmicos: Reconhecimento das limitações e possíveis vieses presentes nos modelos de linguagem
  • Dependência tecnológica: Manutenção da autonomia intelectual do pesquisador

Segundo Braga e Fernandes (2022, p. 89), "a ética na pesquisa com IA não se limita a evitar plágio ou fabricação de dados, mas inclui a reflexão sobre como estas ferramentas modificam nossa relação com o conhecimento e com o próprio processo de investigação científica".

As limitações técnicas do ChatGPT também devem ser consideradas:

  • Conhecimento limitado a seu período de treinamento
  • Possibilidade de gerar informações imprecisas ou incorretas
  • Dificuldade em avaliar a qualidade metodológica de estudos primários
  • Limitações na compreensão de contextos culturais específicos

Diretrizes para Integração Responsável

Com base na literatura e nas práticas emergentes, propõe-se um conjunto de diretrizes para a integração responsável do ChatGPT no processo de elaboração de trabalhos científicos e TCCs:

  1. Transparência metodológica: Documentar explicitamente como e em quais etapas o ChatGPT foi utilizado
  2. Verificação cruzada: Confirmar informações geradas pela IA com múltiplas fontes acadêmicas confiáveis
  3. Supervisão humana: Manter o julgamento crítico como elemento central do processo científico
  4. Reconhecimento de limitações: Explicitar as limitações da ferramenta no contexto específico da pesquisa
  5. Desenvolvimento de competências: Utilizar a IA como complemento, não substituto, das habilidades metodológicas do pesquisador

Estas diretrizes alinham-se à perspectiva de Latour (2020), que concebe a ciência como uma rede sociotécnica onde humanos e não-humanos interagem na produção do conhecimento. O ChatGPT pode ser integrado a esta rede, desde que subordinado aos princípios epistemológicos e éticos da comunidade científica.

Considerações Finais

A intersecção entre ciência, TCC e ChatGPT representa um campo emergente que requer análise crítica e experimentação metodológica. As evidências preliminares sugerem que a integração responsável desta ferramenta pode contribuir para o aprimoramento de aspectos específicos do processo científico, sem comprometer seus fundamentos epistemológicos.

Como observou Carl Sagan (1996, p. 39), "a ciência é mais do que um corpo de conhecimento, é um modo de pensar". O ChatGPT não altera este modo de pensar, mas oferece novas possibilidades para sua expressão e desenvolvimento.

Para estudantes em fase de TCC, o ChatGPT representa uma ferramenta com potencial para facilitar aspectos operacionais da pesquisa, permitindo maior concentração nas questões substantivas e no desenvolvimento do pensamento crítico. Para orientadores e instituições acadêmicas, apresenta o desafio de integrar estas novas possibilidades aos processos pedagógicos e avaliativos existentes.

O futuro da integração entre IA e metodologia científica dependerá da capacidade da comunidade acadêmica de estabelecer parâmetros éticos e epistemológicos claros, que preservem a integridade do processo científico enquanto aproveitam as potencialidades das novas ferramentas tecnológicas.

Referências

  • ANPOCS. Diretrizes éticas para pesquisa com inteligência artificial. São Paulo: ANPOCS, 2023.
  • BRAGA, M.; FERNANDES, J. Ética na pesquisa com inteligência artificial: desafios contemporâneos. Revista Brasileira de Ética Científica, v. 15, n. 2, p. 78-96, 2022.
  • ECO, U. Como se faz uma tese. 26. ed. São Paulo: Perspectiva, 2016.
  • KUHN, T. A estrutura das revoluções científicas. 13. ed. São Paulo: Perspectiva, 2018.
  • LATOUR, B. Ciência em ação: como seguir cientistas e engenheiros sociedade afora. 2. ed. São Paulo: Editora UNESP, 2020.
  • MEADOWS, J. Metodologia da pesquisa científica contemporânea. Rio de Janeiro: Zahar, 2021.
  • MINAYO, M. C. S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14. ed. São Paulo: Hucitec, 2014.
  • OLIVEIRA, T.; CAMPOS, R. Desafios metodológicos em trabalhos de conclusão de curso: perspectivas de orientadores. Educação e Pesquisa, v. 46, n. 1, p. 1-18, 2024.
  • POPPER, K. A lógica da pesquisa científica. 12. ed. São Paulo: Cultrix, 2004.
  • SAGAN, C. O mundo assombrado pelos demônios: a ciência vista como uma vela no escuro. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
  • SANTOS, A. et al. Impactos da inteligência artificial na metodologia científica: um estudo com pesquisadores brasileiros. Ciência & Educação, v. 29, n. 1, p. 45-67, 2023.
  • SEVERINO, A. J. Metodologia do trabalho científico. 24. ed. São Paulo: Cortez, 2017.
  • VOLPATO, G. Método lógico para redação científica. 2. ed. São Paulo: Best Writing, 2017.